Conteúdo produzido por por Roberto Takata sobre como a função de divulgador científico é importante para cientistas, pesquisadores e sociedade.
Acredita-se que o momento atual que combina a crise de subfinanciamento das ciências e a crise da pandemia de COVID-19 tenha evidenciado a importância das ciências e da função de divulgador científico para o público.
Os cortes seguidos nos orçamentos destinados à ciência, tecnologia e inovação nos últimos anos têm pressionado os cientistas e a academia a buscarem apoio na população para a necessidade da reversão desse quadro.
A pandemia mostrou a importância desse investimento em pesquisa científica – não apenas para o desenvolvimento de tratamentos, medicamentos e vacinas, mas para a compreensão das novas relações de trabalho e estudo e do contato social, destacando, assim, não só a importância do conhecimento das ciências da saúde, como também das ciências sociais.
De fato, várias justificativas são elencadas para a necessidade da comunicação pública da ciência, isto é, do diálogo entre a academia e a população, seja diretamente através dos próprios cientistas, seja indiretamente, através da intermediação da figura do divulgador, como um jornalista de ciências.
Vide, por exemplo, o texto de Marcelo Valério, “Para que serve a divulgação científica?”, no Medium; e outro cometido por este autor, “O papel da ciência e dos divulgadores científicos no desenvolvimento da sociedade”, no Huffpost.
Mas, ok, vamos supor que você tenha se sentido impelido a enveredar seriamente pelas sendas da divulgação científica: seja como uma missão de auxiliar a desenvolver a cultura científica no país, de desenvolver uma visão crítica nos cidadãos, seja como um meio de desenvolver sua própria carreira, o que for.
É possível viver como um divulgador científico?
Qualquer que seja o motivo, há vários caminhos possíveis para isso. Dois modos principais são:
1) realizar a divulgação como uma atividade paralela ou integrada a sua profissão como cientista e 2) realizar a divulgação como a própria profissão.
Epa, peraê, viver de divulgação científica? É possível isso?
A resposta honesta é: sim, é possível. Mas uma mais honesta é: sim, é possível, porém difícil.
O mercado, ainda mais atualmente, não é dos mais promissores – há demanda pelo trabalho, mas poucas posições pagas.
Várias seções e veículos especializados em cobrir questões científicas foram sumindo em anos recentes – sobretudo pela crise da imprensa com a concorrência da internet e das novas mídias sociais.
Porém, há ainda alguns jornalistas científicos especializados atuantes em grandes veículos – outros tiveram que passar a cobrir mais outros temas também ou procurar outros empregos – poucos contratados, boa parte atuando como freelancers. E há também outros empregos, ainda que, ao menos por enquanto, limitados. Instituições de pesquisa precisam de assessores de imprensa e algumas têm mesmo um setor especializado de jornalismo.
Alguns projetos como os CEPIDs em São Paulo e os INCTs no Brasil todo também contratam jornalistas e divulgadores de ciência para cumprir o objetivo de comunicar ao público as pesquisas ali realizadas – mas, na maior parte das vezes, na forma de bolsas, não de salários.
Museus e centros de ciência precisam de especialistas na curadoria e na produção de projetos. Algumas pessoas especializadas em divulgação científica conseguem posições acadêmicas pesquisando sobre divulgação científica (história, métodos, relações com o público, ética, etc.) e formando novos divulgadores – caso deste escriba (ainda que apenas temporariamente).
Empreendedores e divulgadores científicos
Mas há uma trilha de empreendedores de divulgação científica. Talvez mais complexa e mais desafiadora. Alguns, como Iberê Thenório e Mari Fulfaro, do canal Manual do Mundo, e Atila Iamarino, do Nerdologia, conseguem viver de divulgação científica.
Como monetizar com divulgação científica
Uma parte – geralmente a menor – da renda pode advir de mecanismos como o AdSense do Google ou a publicidade automática no Youtube;
A maior parte provém de participação em campanhas publicitárias diretas – contratadas para ações específicas por agências de publicidade: divulgar um produto ou serviço em um vídeo do canal ou no podcast, gravar comerciais a serem exibidos em outros veículos, participar presencialmente (embora enquanto durar esta pandemia isso não seja viável) de ações publicitária de empresas…
Como complemento, a venda de itens da marca que você criar em seu projeto: camisetas, livros, canecos, entre outros.
A visibilidade necessária para angariar o interesse das empresas pode levar anos e anos de trabalho para ser construída.
E o filão de influencers da divulgação científica era pouco explorado de fato – há iniciativas como a da agência Numinalabs, do Rafael Bento, que procuram fazer a ponte entre o divulgador científico e as marcas para tais ações.
Um outro modo é por meio da criação de organizações não governamentais, como o Instituto Questão de Ciência, capitaneado pela bióloga Natália Pasternak, que procura promover a valorização da ciência na discussão de políticas públicas.
Formas tradicionais de monetizar com divulgação científica
Há também a possibilidade, um pouco mais tradicional (mas mesmo aqui com espaço para inovação de soluções de serviços oferecidos), de criar veículos de jornalismo científico – como a recém-criada Agência Bori, coordenada por Sabine Righetti e Ana Paula Morales, ou o Direto da Ciência, do jornalista Maurício Tuffani: o faturamento sendo constituído seja por venda de espaço publicitário, seja por convênios com instituições de pesquisa, seja – cada vez mais complicado – por venda de assinaturas, ou por meio de crowdfunding.
Crowdfunding tem sido o principal meio de financiamento de projetos independentes (que não fazem parte de conglomerados de mídia ou de instituições acadêmicas ou governamentais), porém na maior parte conseguem levantar apenas o suficiente para cobrir despesas como edição e hospedagem.
Infelizmente faltam pesquisas mais sistemáticas tanto do mercado e seu potencial quanto das iniciativas existentes e seus êxitos (e eventuais fracassos) como há para outras áreas.
No entanto, essas iniciativas pioneiras estão desbravando terrenos pouco ou nada explorados anteriormente, o que deve permitir que futuros comunicadores encontrem um cenário mais propício e conhecido para finalmente se viver de divulgação científica de forma viável e digna.
Se for mais avesso a riscos, pode explorar as modalidades mais tradicionais – que estão cada vez mais restritas – ou esperar pela consolidação do novo mercado – cuja configuração final ainda está em aberto.
Se você tem um espírito aventureiro e administra bem riscos, pode mergulhar de cabeça na divulgação como empreendimento – há recompensas para os pioneiros: fora da área de divulgação científica, comunicadores como PC Siqueira e Felipe Neto, exploraram nichos abertos com o Youtube, de pessoas jovens com opiniões fortes, cujos sucessos, hoje, seriam complicados de se replicar.
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Especialista em Jornalismo Científico. Pesquisador associado do Labjor/Unicamp; professor visitante da UFMG, onde é docente do Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência e colaborador da Diretoria de Divulgação Científica da Pró-Reitoria de Extensão.
Realmente o mundo precisa conhecer ciência e envolver-se como ela!