Doutor e doutora é só para quem tem doutorado?

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Usualmente pessoas que atuam como médicos, advogados, veterinários, dentistas e psicólogos são chamados de doutor ou de doutora. O que gera uma série de dúvidas e debates.


É provável que você já tenha escutado a frase “doutor é só quem tem doutorado“, não é?

Pois bem, esse papo realmente dá pano para manga: de um lado, pessoas que defendem que o título acadêmico é um requisito obrigatório para esse pronome; por outro, pessoas que entendem que algumas profissões têm essa prerrogativa de tratamento.

Então, bora lá esclarecer essa história? 🙂

O que é doutor e doutora?

Antes de qualquer coisa, o título de doutor e doutora é direcionado para quem fez o curso de pós-graduação strictu sensu, a nível de doutorado, devendo defender uma tese ao final dos 4 anos.

Agora que temos isto em mente, vamos entender porque essa titulação costuma causar polêmica. 

O termo doutor

Inicialmente, vamos à etimologia da palavra.

As raízes mais remotas podem ser rastreadas até entre o primeiro e o segundo milênio antes da nossa era, nas invasões indo-europeias.

Delas advém a raiz dok-, da qual provém a palavra latina docere, que por sua vez derivou em doctoris (“mestre, o que ensina”). 

Desta raiz indo-europeia provém, da mesma forma, o vocábulo grego dokein, do qual se derivaram outras palavras da mesma família, tais como “dogma”, “ortodoxia”, “paradoxo” e “didática”.

Deste modo, “doutor” é derivada do latim docere, ou seja, “ensinar”. 

Com variações características, é utilizada em quase todas as línguas modernas: por exemplo:

  • em inglês (doctor)
  • espanhol (doctor)
  • francês (docteur)
  • italiano (dottore)
  • alemão (Doktor).

Por que pessoas advogadas e médicas são chamados de doutores no Brasil?

A justificativa para o uso de doutor para advogados costuma ser um Decreto do Imperador Dom Pedro I para os concluintes dos cursos de Ciências Jurídicas . 

O Decreto de Dom Pedro I

Nesta lei, de 11 de Agosto de 1827 (sim, mil oitocentos e vinte e sete, é bem antiga né?), há um artigo e um capítulo específico sobre o tratamento de “doutor” para os bacharéis em direito, o artigo 9 e capítulo 13. 

Abaixo trouxemos os artigos do decreto, percebam que até o nosso português mudou, mas o hábito de chamar essas profissões, especialmente advogados e médicos (além de algumas outras profissões ligadas à área da saúde), de doutores.

Lei 11 de agosto de 1827

“Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes.”

“Capto. XIII – Se algum estudantes jurista quizer tomar o gráo de Doutor, depois de feita a competente formatura, e tendo merecido a approvação nemide discrepante, circumstancia esta essencial, defenderá publicamente varias theses escolhidas entre as materias, que aprendeu no Curso Juridico, as quaes serão primeiro apresentadas em Congregação; e deverão ser approvadas por todos os Professores. O Director e os Lentes em geral assistirão a este acto, e argumentarão em qualquer das theses que escolherem. Depois disto assentando a Faculdade, pelo juizo que fizer do acto, que o estudante merece a graduação de Doutor, lhe será conferida sem mais outro exame, pelo Lente que se reputar o primeiro, lavrando-se disto o competente termo em livro separado, e se passará a respectiva carta.”

Ainda, neste decreto, dizia haver […] também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes”.

Esses estatutos são das faculdades de direito existentes na época, em São Paulo, Olinda e Recife. As instituições definiam as regras para conquistar o grau de doutor.

Lei de 3 de outubro de 1832

Já, sobre a medicina, também há uma lei parecida para tais bacharéis em, a Lei 3 de outubro de 1832.

Neste sentido, seu artigo 26 diz:

“Art. 26. Passados todos os exames, o candidato não obterá o titulo de Doutor, sem sustentar em publico uma these, o que fará quando quizer. As Faculdades determinarão por um regulamento a fórma destas theses, que serão escriptas no idioma nacional, ou em latim, impressas á custa dos candidatos; os quaes assim como os Pharmaceuticos, e Parteiras, pagarão tambem as despezas feitas com os respectivos diplomas.”

É visível uma certa “distorção” do que exatamente as leis pretendiam dizer com a finalidade de dar status social a advogados e médicos.

Perceba que no decorrer dos textos não há qualquer indicativo de tratamento de “doutor” a tais bacharéis sem antes o desenvolvimento de uma tese acadêmica.

Médicos e advogados são doutores?

Advogado é doutor?

A tradição de chamar advogados de “doutor” surgiu nos tempos do Império, com uma lei de 11 de agosto de 1827, promulgada por D. Pedro I, a qual criava os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil.

Com ela também se regulamentou o estatuto para o curso jurídico, além de ter sido decretado que os concluintes de cursos de bacharelado receberiam o título de “doutor”. Assim, bacharéis em Direito começaram a ser tratados dessa maneira.  

Mesmo já tendo caído em desuso, o decreto criou uma tradição que até hoje é seguida pela maioria dos profissionais da área, os quais costumam se tratar dessa forma.

Ademais, até o momento a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se pronunciou no sentido de negar que os advogados também sejam tratados como “doutores”. 

Tese jurídica conta?

Outro argumento utilizado é que o advogado é doutor por excelência. Ou seja, não teria relação com a titulação acadêmica conferida pelas universidades.

Defende-se também que as peças judiciais escritas pelos advogados são teses, o que corrobora com o título de doutor para esses profissionais. 

Entretanto, como sabemos, uma “tese” depende da aprovação de uma banca qualificada

Médico é doutor?

Nos Estados Unidos os cursos de direito, medicina, odontologia e medicina veterinária, são cursos de pós-graduação, em nível de doutorado, já que para entrar numa desses cursos, você tem que apresentar previamente o seu diploma B.A (Bachelor of Arts) ou B.Sc (Bachelor of Science). Mas isso é apenas para este país.

Ao final do doutorado, nem precisam fazer as defesas de tese, recebendo os titulos de Juris Doctor (JD), Medicine Doctor ( MD), Doctor of Dental Surgery (DDS ) e Doctor of Veterinary Medicine ( (DVM ).

Por fim, os doutorados mais antigos foram em direito civil e direito canônico, criados em 1223 na Universidade Bologna, a primeira do mundo ocidental.

Doutor honoris causa

Neste sentido, os doutorados em medicina (M ) e Philosofia( Ph.D ) somente foram criados em 1875, ou seja, 652 anos depois dos de direito civil e direito canônico.

Assim, os médicos e profissionais de outras ciências, na inexistência de um doutorado próprio para eles, quando eram figuras eminentes na profissão, recebiam o doutorado honorário (“honoris causa“).

Daí se dizer que o título de doutor foi uma dádiva dos juristas aos médicos. Todos os médicos da Rainha Victoria tinham que apresentar seu título honorário de Doutor em direito Civil (LL.D ) para exercerem a profissão.

Assim como aconteceu com Isaac Newton, Francis Bacon e Charles Darwin.

É por causa dessa tradição, que quase todos os doutorados honorários, dados pela universidades ocidentais, são sempre concedidos em direito civil, mesmo sendo o agraciado de outro ramo das ciências.

Quando o título de doutor deve ser utilizado?

De acordo com o Manual de Redação da Presidência da República, que trata sobre o emprego dos pronomes de tratamento, “doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico

Ainda, o documento define:

Evite usá-lo indiscriminadamente. Como regra geral, empregue-o apenas em comunicações dirigidas a pessoas que tenham tal grau por terem concluído curso universitário de doutorado. É costume designar por doutor os bacharéis, especialmente os bacharéis em Direito e em Medicina. Nos demais casos, o tratamento Senhor confere a desejada formalidade às comunicações.

Portanto, recomenda-se chamar de doutor apenas quem tem doutorado.

Ou seja, que fez o curso de pós-graduação stricto sensu, a nível de doutorado, defendendo uma tese ao final do curso de 4 anos.

Formatação automática nas normas da ABNT

Mesmo antes de um doutoramento, todas as profissões listadas acima exigem, pelo menos, uma graduação. 

Portanto, passaram obrigatoriamente pelo TCC, monografia e pelos vários trabalhos acadêmicos formatados nas normas da ABNT.

Caso você ainda tenha contato com essa parte de produção de conhecimento, conheça o Mettzer, o editor que formata automaticamente qualquer trabalho acadêmico e científico nas normas da ABNT.

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